A chegada de um novo ano marca muitas vezes um curto tempo de fraternidade. São muitas as mensagens, mais ou menos estereotipadas, de preferência em grupos, para ser mais ágil. Uns tantos telefonemas, uns eloquentes desejos de bom ano, um pouco à imagem do círio que se coloca no Dia dos Fiéis, depois da última visita ao cemitério, por acaso no Dia dos Fiéis do ano anterior.
Passa este tempo e voltamos à normalidade, muitas vezes atravessada por insignificantes picardias transformadas em ódios eternos, por pequenas querelas transformadas em guerras existenciais. Como podemos genuinamente pedir aos países que se entendam e evitem o conflito, se nós não fazemos isso à nossa escala, tantas vezes sem cuidarmos do peso e da medida.
Mais do que tudo, importa imaginar o que o novo ano deseja para nós; e julgo mesmo que deseja que sejamos sempre melhores pessoas. Esta é uma oportunidade incrível de fazermos um exame a nós próprios, à nossa consciência, procurando as nossas fragilidades humanas, corrigindo os nossos equívocos, mas sempre unidos num esforço coletivo de construção de um Mundo melhor.
Reconhecemos a nossa limitada condição humana, que nos leva muitas vezes a modelos de comportamento dissonantes das exigências que imputamos aos outros. Queremos mais sem darmos mais, queremos melhor sem darmos melhor.
Muitos dos nossos problemas começam nesta forma muito humana de criarmos problemas onde não existem ou de os multiplicarmos onde eles encostam.
Abdicamos do nosso presente, desvalorizamos a doce sensação da vida vivida, trocada por uma equívoca obsessão com a vida que planeamos e que tantas vezes não chegamos a viver. Deixamos de sonhar para passamos a planear as coisas com a minúcia de quem supõe que controla os fatores, até que a vida, o destino, Deus, a sorte (cada um escolhe a sua explicação!) tudo trata de ajustar a seu bel-prazer. Perde-se, simultaneamente, o presente e o futuro, deixamos de estimular o palato em nome de uma compulsiva racionalidade utilitarista.
Que nos chegue uma sociedade mais justa, pessoas mais exigentes, mas também mais humanistas e tolerantes, gente que gosta de gente, gente que gosta da vida, com a aspiração de ir mais longe a cada dia, em vez de vociferarmos constantemente contra a vida por não ser totalmente como nós queríamos. Isso nunca acontecerá enquanto a sofreguidão das coisas devorar o prazer de viver.
Tenhamos um país tranquilo, organizado e rigoroso, exigente e criativo, sejamos felizes com o que vamos construindo, em vez de prostrados no desânimo com o que ainda nos falta. E mantenhamos este espírito ao longo de todo o ano. Se a isto juntarmos a saúde e a paz connosco e com os outros, a vida tende a seguir. O bom ano que desejamos depende do bom ano que construirmos. Hoje e sempre.
*Presidente da CM Gaia/Área Metropolitana do Porto