1. Há 7 anos, tomei posse como presidente do terceiro município mais populoso de Portugal. Sabia que era chamado a uma missão dura, por razões conhecidas, sejam as financeiras, sejam as organizacionais. Acreditei poder mostrar que as coisas podem ser bem feitas, que o serviço público é uma bênção e que é sempre possível fazer mais e melhor pelas pessoas.
Assumi os pelouros da Educação e da Ação Social, convicto da importância destes dois eixos para a melhoria de um concelho que estava ainda muito marcado pela crise global do subprime, mas sublinhei a possibilidade de uma gestão integrada, onde a velha opção entre a “obra” e a “dívida” não é razoável. É, sim, razoável ter boa obra e também as contas controladas. Sobretudo, ter obra inteligente e sustentável, respeitando o ecossistema envolvente e respeitando as pessoas e os seus impostos.
Por isso, assumi que o combate pelas contas certas nunca poderia ser feito à custa da sobrecarga das taxas e impostos municipais (lembram-se da taxa das rampas, entretanto extinta?!). Se havia problemas financeiros, importava resolvê-los com o fim das gorduras municipais, não indo ao bolso dos cidadãos. Assumia-se o desafio de um modelo de governação moderno e sustentável, dedicado e humanista.
2. A pandemia trouxe muitos desafios inesperados. Tem sido evidente o papel dos municípios, discretos baluartes da coesão social nestes tempos difíceis. Assim tem sido na educação, no apoio social, com as IPSS, com as autoridades de saúde, etc.
Esta pandemia foi um teste ao nosso modelo de gestão. Se a pandemia tivesse ocorrido há 5 anos, estou convicto que também teria trabalhado muito. Mas faltar-me-iam os recursos, aqueles que a atual estabilidade económico-financeira me permite ter ao dispor para responder aos problemas. E isso é uma lição: a sustentabilidade das contas públicas municipais é um fator de coesão e de melhor resposta às dificuldades das pessoas e aos imprevistos. Não resolve todos os problemas, mas ajuda muitas pessoas.
Acredito numa nova geração de políticas municipais e nacionais, que se enquadra num esforço coletivo de valorização da nossa democracia. O sistema social precisa de maior coesão. O sistema político deve sentir-se obrigado a mais rigor e exigência. O sistema económico deve mostrar-se próspero, mas sempre ao serviço da coesão. O sistema judicial deve ser um pilar da credibilização das boas práticas e da democracia. E os serviços públicos devem ser uma verdadeira âncora da esperança das pessoas.
Na saúde, na ação social, na educação, no atendimento aos velhos e novos problemas, importa uma responsabilidade acrescida neste momento atual. É certo que estamos em tempos diferentes, em que o teletrabalho pode fazer muito sentido. Mas nunca essa modalidade fará sentido, desde logo se os cidadãos sentirem que se trata de uma forma de distanciamento e de fechamento dos serviços sociais e de proximidade, muitas vezes as únicas estruturas abertas no apoio direto às pessoas. Um apoio que não é apenas sanitário, mas é também de segurança, de subsistência e de esperança. Quase tudo pode confinar, mas não a resposta dos serviços públicos de proximidade às pessoas e às instituições.
*Presidente da CM Gaia / Área Metropolitana do Porto