É típico dos estados mais frágeis o olhar exclusivo para os mais desfavorecidos. Isso não decorre de nenhum imperativo ético, aliás inquestionável, mas de uma insuficiência estrutural.
Não podendo usar as políticas públicas como instrumento de efetiva mudança social, usam-se os instrumentos de apoio público como formas de atenuar as maiores dificuldades. Foi assim nos primórdios das políticas sociais em Portugal; centradas nos dramas sociais, sem meios para irem mais longe, cingiam-se aos mínimos ou aos básicos.
Os tempos mudaram. A Estratégia de Lisboa não abriu apenas o novo século, mas ancorou os novos instrumentos de políticas públicas. Pode sempre dizer-se com propriedade que foram mais audazes as proclamações do que as mudanças estruturais; mas, ainda que assim seja, as mudanças foram inquestionáveis. Portugal reafirmou o seu empenho nas políticas de mínimos sociais, assumiu debates sobre a formação e a empregabilidade, definiu a prioridade à inovação e à coesão.
Quase duas décadas depois, a Cimeira Social, realizada no Porto, lançou novos desafios estruturais. O combate à pobreza continua na linha da frente, como não podia deixar de ser. Mas novos debates são trazidos: o emprego e a inovação, o empreendedorismo e a formação ao longo da vida, as novas formas de trabalho e a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal, entre tantos outros. E ressurge com renovado afinco o debate sobre o papel das classes médias e das políticas sociais direcionadas às classes médias como elementos estruturantes de uma nova geração de políticas públicas. De facto, o pior que pode acontecer às políticas sociais e ao Estado Providência (seja ele “quase”, “semi” ou lacunar) é a perda das classes médias como grupo-alvo e como parceiro. Como grupo-alvo, porque as políticas sociais não são compensações para os muito pobres, mas instrumentos de coesão social de amplo espetro, incidindo prioritariamente nos mais pobres, mas não esquecendo algumas respostas determinantes para as classes médias. Afinal, os limites estatísticos ou financeiros entre os mais pobres, definidos pela condição de recursos, e as classes médias-baixas, é muitas vezes residual. E como parceiro, porque é importante a adesão das classes médias ao projeto de uma sociedade inclusiva. Nos tempos atuais, não faltam os tiffosi radicais, saudosistas dos sectarismos convenientes, para mostrarem a sobrecarga de tributação fiscal nas classes médias sem qualquer retorno imediato nos direitos sociais. Por isso, são imperiosas medidas universalistas como o passe gratuito de transporte para todos os estudantes, independentemente da sua estrutura socioeconómica, ou o cheque-ensino no início do ano letivo para apoio à aquisição de material escolar. Mas, mais importante e estrutural, importa priorizar a habitação a custos acessíveis e o apoio ao emprego neste tempo de transição da pandemia, para ousar assumir as políticas sociais como verdadeiros instrumentos de mudança e de coesão social. A Cimeira Social, sob a égide da presidência portuguesa da União Europeia, deixa mais uma semente para um tempo novo e de reforçadas prioridades sociais.
*Presidente da CM Gaia / Área Metropolitana do Porto