O ano dos testes não foi 2020. Esse foi o ano da pandemia. O ano dos testes será 2021. Aí se testará a nossa solidariedade, a nossa resiliência e a nossa capacidade de inovação. E os desafios sociais não serão menos perigosos do que o vírus, nem menos contagiosos.
O teste da solidariedade é decisivo. Sabemos que as crises (pandémicas ou não) geram mais pobreza e mais desigualdade. Esta crise está a iniciar um processo de fragilização das classes médias, que importa acautelar. As classes médias, muito endividadas e com diminutas poupanças (não têm muito para poupar), serão presas fáceis de um sistema de apoio social que se defenda exclusivamente com as tradicionais respostas sociais. Nestes contextos, empobrecem os pobres e os não-pobres. E não faltará quem questione os direitos sociais como excessivos. Importa, por isso, reforçar e integrar políticas sociais, diminuir respostas casuísticas e focar a empregabilidade, a habitação e a adaptação à transição da própria economia. E saber que estas dimensões não podem esperar o tempo dos grandes projetos, porque são dinâmicas do quotidiano imediato.
O teste da resiliência é um repto. Ninguém imagina que a entrada em 2021 vá mudar automaticamente a situação atual. A vacina é uma conquista excelente, mas os seus efeitos não são imediatos. Será um processo longo e incapaz de solucionar, por si só, os dilemas emocionais que têm sido gerados. A resiliência exige capacidade de adaptação, esperança e reconsideração das verdades a que estávamos habituados. Vai exigir muito espírito coletivo, muita união e vasta confiança uns nos outros e de todos nas instituições.
A capacidade de inovação é um teste coletivo. Não se trata da inovação tecnológica ou tão-só da adaptação às novas tecnologias digitais. É isso, mas é muito mais do que isso. Trata-se da inovação nas formas de organização social, laboral e institucional.
É certo que não estaremos perante o admirável mundo novo, de Huxley, mas estaremos perante a questão social que se metamorfoseia, mas que se mantém como eixo central da coesão social, como explicava Castel. Não estar atento à “desfiliação” dos indivíduos (uns com os outros e muitos com as instituições) é ignorar o potencial do enfraquecimento dos laços sociais e da confiança institucional, com todas as suas (conhecidas) consequências. Tenhamos em Habermas uma inspiradora vacina.
São múltiplos e complexos os testes que temos pela frente. Importa não falhar na sua abordagem, assumindo uma visão humanista, conciliando pessoas e grupos, recuperando o país e a Europa. A situação não é de pós-guerra, mas será de pós-pandemia. E não seria a primeira vez na História que a segunda alimenta a primeira.
O teste à covid leva a zaragatoa até à garganta; o teste da coesão social vai levar a zaragatoa até às nossas consciências. Bom ano!
*Presidente da CM Gaia / Área Metropolitana do Porto