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Reli o magnífico ensaio de Amartya Sen, “Desenvolvimento como liberdade” (Gradiva), onde se explica o papel libertador do desenvolvimento, a sua força democrática à escala nacional e local.

Não é fácil ter uma região crítica, ativa e participativa quando os mitos prevalecem e as divisões impedem o trabalho em rede.

E isto é hoje muito importante. Vêm aí recursos imprescindíveis para o nosso futuro coletivo, se estivermos à altura disso. Não podemos ficar limitados ao nosso pavilhão. Importa a ousadia do diálogo, a noção do coletivo e o espírito da cooperação, em vez da desculpa do centralismo.

Nenhum pavilhão permite o crescimento demográfico, mas uma estratégia conjunta com componente demográfica pode necessitar de muitos pavilhões. Queremos ficar com o imediatismo da inauguração do pavilhão, ainda que para emoldurar com teias de aranha, ou desenhar o futuro sem clubites ou egos, percebendo os dramas das pessoas e dos territórios?

Li com atenção (e medo) o recente livro da jornalista brasileira Patrícia Campos Mello, “A máquina do ódio” (Companhia das Letras), onde a repórter explica o arsenal de guerra eletrónica de que foi alvo depois de denunciar os financiamentos da campanha de Bolsonaro. Tudo assente em “trolls”, perfis falsos ou anónimos, robôs eletrónicos, contas sediadas no Leste, gente poderosa a manobrar, grunhos do digital. Coisas de filmes, dizem.

Medo, sim. Não sou dos que dizem não ter medo. Se tentam mostrar coragem, não é negando o medo. É enfrentando os monstros.

E quem acha que isto não chega a Portugal, este país dos ditos “brandos costumes”, que se desengane…

Acabei de ler o livro do João Teixeira Lopes, Francisco Louçã e Lígia Ferro, “As classes médias em Portugal” (Bertrand). Bastou o plural do título para me cativar! Muito gostaria de perceber mais profundamente as capacidades de resistência das classes médias ao discurso do ódio, aos protofascistas e aos novos totalitarismos.

Quando observo Trump ou Bolsonaro, inspiradores de alguns cá do burgo, quando analiso os estudos das suas eleições, sou levado a acreditar que as classes médias (parte delas) se deixaram iludir pelos discursos do ódio, as promessas da pureza e as proclamações de um mundo novo, de que Steve Bannon é um exemplo de hipocrisia discursiva. Porquê? O que falhou? A educação? A família? A falta de “nós” entre todos?

Não querer saber disto ou acreditar que é coisa do estrangeiro é ignorar a atualidade portuguesa e as razões dos experimentalismos políticos, sem antever que a desilusão vem mais tarde e pode não ter retorno. Enfim, exagero. A democracia tem sempre meios de retorno quando está nos limites da sua sobrevivência. Espero eu… tenho esperança em “nós”, sobretudo se tivermos “nós”.

* Presidente da CM Gaia/Área Metropolitana do Porto

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Eduardo Rodrigues

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