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A globalização parece ter sido reafirmada pela pandemia. Uma maleita à escala global, afetando indistintamente países ricos e países pobres, apenas distintos pela diferente capacidade (financeira e diplomática) de regatear as vacinas, ainda que se encham os discursos institucionais com a cooperação internacional.

Basta verificar os movimentos em curso para percebermos quanto a cooperação internacional ainda é um conceito abstrato.

No entanto, a pandemia, sendo global, interpela-nos para o movimento oposto: a desglobalização. Nunca como hoje foi tão evidente a necessidade de valorizarmos as nossas raízes, a nossa relação com o meio ambiente, a nossa relação com as pessoas. Até a alimentação muda; de um processo de universalização dos sabores e dos consumos, passamos a um movimento de valorização dos frescos, do local e do biológico.

Não sabemos se a pandemia é um aviso da Natureza. Certo é que reduzimos emissões, limitamos as frenéticas deslocações, acentuamos o papel da casa e da sua envolvente. Passamos a comportamentos mais disciplinados, assumimos os riscos outrora tidos como esquisitices. Passeamos menos no estrangeiro e (re)descobrimos o nosso país, os nossos contextos de vida, os nossos patrimónios e a nossa proximidade. Nunca fez tanto sentido falar em raízes, essas condutas da vida que nos prendem ao que é nosso, à terra e ao nosso próprio mundo. Continuamos cosmopolitas, mas voltamos a valorizar o local, as nossas raízes, os nossos modos de ser e de estar.

Precisamos de acentuar a coerência das nossas vidas; dizer o que fazemos e fazer o que dizemos. Não vale a pena pregarmos a relação com a cidade e o território, ao mesmo tempo que cedemos ao cromismo. Valorizar o que é nosso, explorar conjuntamente o nosso futuro e acentuar a verdadeira comunhão de princípios e de valores.

Se algo manchou estes tempos idos foi o caráter predatório do capitalismo e da usurpação de recursos. Uma usurpação que subtrai os recursos de todos em prol de uns poucos, num movimento que açambarca bens e recursos em prol de um sumo só para alguns. Fiscalizamo-nos melhor em proximidade e somos mais coesos quando partilhamos o desenvolvimento, em vez de exportarmos os recursos abusivamente subtraídos às comunidades.

Voltamos ao local, criamos energias comuns que ultrapassam as dificuldades, envolvemos as comunidades em prol do seu futuro, em vez de o desenharmos profeticamente.

A pandemia pode parecer global, mas é mais acentuadamente avisadora de uma necessidade de abordagem localista, valorizando as pessoas e as comunidades, e evitando o neocolonialismo de quem parece querer ajudar e apenas toma conta das minas existentes, substituindo-as por outras minas mais explosivas e subtraindo os recursos aos cidadãos, no movimento que Fernando Henrique Cardoso chamou “desenvolvimento dependente”. Alguns chamam-lhe mais prosaicamente enriquecimento sem vergonha, mas vai dar ao mesmo.

Presidente da Câmara Municipal de Gaia / Área Metropolitana do Porto

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Eduardo Rodrigues

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